30 de março de 2007

Os pingos

Os pingos

Margarida Fonseca Santos

O dia começou mal. Era fácil de perceber que iria continuar assim, ou pior. O despertador tocou à hora que devia, mas nem eu nem ela estávamos preparados para nos levantarmos. Ela coçou-me com força. Irritei-me. Coçou-me ainda mais. Espirrei-lhe a camisa de dormir toda. Irritou-se. Já não era mau.
Quando saímos para a rua, avisei-a de que havia vento e pó no ar. Não me ligou. Eu não consigo que ela me ponha os pingos. Sou um desgraçado. Resolvi dificultar-lhe a vida. No metro, comecei a fazer-me notar. Adoro ver as caras todas a olharem para ela quando as fungadelas já são um pouco suculentas. Assoou-me com violência. Ingénua. Consegui que me coçasse sem descanso até à escola. Isso irrita-me, mas adoro senti-la ficar dependente das minhas investidas. Os pingos, esses não vinham. E estavam dentro da pasta, ali mesmo.
Como já estava a ficar demasiado dorido, abrandei o ataque durante uma hora. Ela, estupidamente convencida de que tudo acabara, deu a aula com um ar bem disposto. Parva!
Na segunda aula, eis que entra a pirosa do perfume insuportável. Tinha-me esquecido de que era terça-feira. Não foi preciso esforçar-me. Comecei a dar trabalhos redobrados. Fungou, assoou-me, cheguei até a sangrar um pouco para dar um toque colorido à cena. O resultado era de esperar. A pirosa do cheiro insuportável aproximou-se solícita, ajudou-a à sua maneira, desgraçou-nos definitivamente. A aula acabou mais cedo por não haver condições para a continuar. A pirosa saiu.
Ela passou o intervalo a lavar-me, a esfregar-me. Pingos, nada. Resolvi levar o caso até às últimas consequências. Em plena última aula, entre uma frase lida no livro e outra escrita no quadro, ensanguentei-lhe a camisola, sujei o apagador, enojei os alunos e atraí a protecção de uma contínua. A parva não sabia o que fazer. Não abrandei, queria levar aquela luta até ao fim. A aula foi acabada à pressa, eu ganhei um rolhão improvisado, ela exibia os olhos inchados. Tinha que ceder. A contínua deu-me uma ajuda.
– Não tem uns pingos, ou uma coisa assim, senhora professora?
– Com o nariz neste estado?! Nem pensar. Então é que nunca mais parava de sangrar.
Parva! Anormal! Redobrei o cerco, aumentei o sangue e a comichão. Obriguei-a a ir para casa à pressa, a pôr gelo na cara, a pôr a família num desespero. Acabámos na urgência, às oito da noite. O dia tinha de acabar mal, estava visto. Levei uma queimadela no meu orifício preferido. O médico, cara olheirenta e bafo de fim de turno, só teve uma frase.
– Não tem uns pingos para estes dias assim?
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Comment posted by Clube Super Leitores
at 4/26/2007 4:40:00 PM
Olá! Pois é Tomás, a Margarida Fonseca Santos vem à nossa escola, no dia 29, e nós vamos lá estar, claro, com muito gosto! Também no dia 23, salvo erro, vamos ter que apresentar o Blog aos Pais!!! Que giro. Até breve.

Margarida Fonseca, obrigado por ter visitado o nosso Blog! O que achou dele?

Isa, 6ºI


Comment posted by Margarida Fonseca Santos
at 4/25/2007 5:03:00 PM
Olá, Tomás
Parece que a visita vai mesmo acontecer! Que bom... Estou curiosa, confesso.
Um abraço
Margarida


Comment posted by Clube Super Leitores
at 4/23/2007 5:45:00 AM
Esta história é muitíssimo especial. Foi escrita por Margarida Fonseca Santos, a tão célebre e famosa escritora, PARA O NOSSO BLOG! Ah, pois é... ela vem cá à escola no dia 29 de Maio!!! Preparem os vossos livros preferidos e tragam-nos!

P.S.: Já descobriram quem é o narrador? Como diz a Margarida "este nariz irritante". Ela quer incentivar-nos a escrever de uma forma diferente.

Tomás, 6ºI


Comment posted by Margarida Fonseca Santos
at 4/10/2007 5:52:00 PM
Meus queridos Super Leitores! Que bom partilhar este espaço convosco! Espero que se divirtam com este nariz irritante e que se aventurem a contar histórias através de personagens diferentes. Um abraço
Margarida

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